Rússia dribla sanções e usa a China para acessar tecnologia ocidental implantada em suas armas A Rússia tem sido bem-sucedida em sua estraté...
Rússia dribla sanções e usa a China para acessar tecnologia ocidental implantada em suas armas
A Rússia tem sido bem-sucedida em sua estratégia para driblar as sanções ocidentais que visam a bloquear o acesso do país a itens de uso duplo, aqueles que podem ter funções tanto civis quanto militares. Assim, consegue obter tecnologias norte-americanas e europeias instaladas nas armas usadas na guerra da Ucrânia, como revelou nesta semana a revista Newsweek.
A reportagem tomou como base um estudo do Instituto KSE, think tank da Escola de Economia de Kiev. Ele aponta que mais de 60% dos componentes críticos usados em armas russas são provenientes dos EUA, e grande parte desse tipo de material que continua a alimentar as tropas de Moscou chega à Rússia passando pela China.
“O que vemos com esses dados é que as forças armadas da Rússia ainda dependem principalmente de componentes ocidentais”, disse Elina Ribakova, diretora do programa de assuntos internacionais da Escola de Economia de Kiev.
Entre março e dezembro de 2022, período que corresponde aos primeiros meses de guerra, a Rússia importou 72% do valor total de seus componentes militares críticos da China. Trata-se de um aumento moderado de 22% em relação ao mesmo período do ano anterior, antes da guerra e das sanções.
Microchips e processadores representam a grande maioria dos itens de uso duplo em armas russas. O KSE identificou 1.057 desses artigos em 58 peças militares capturadas e analisadas, como mísseis de cruzeiro, veículos blindados, drones e unidades de artilharia. Isso acaba por excluir, por exemplo, sistemas de navegação e de comunicação, aos quais as forças ucranianas não têm acesso.
Entretanto, a maior parte desses itens não é produzida pelos chineses, e sim por empresas dos Estados Unidos e da Europa. Segundo relatório, a questão não se explica somente pela habilidade de Moscou em driblar as sanções através de rotas alternativas. Outro problema é que as sanções não são amplas o suficiente.
“É importante reconhecer que certos insumos potenciais para a produção militar ainda não estão cobertos por controles de exportação. Como resultado, as importações russas de alguns componentes críticos nem sempre representam violações de sanções e/ou evasão”, diz o documento.
Uma análise de dados de importação justifica esse argumento. Ela mostra que a compra de rolamentos pela Rússia aumentou 28% no primeiro trimestre deste ano, enquanto a importação de sistemas de navegação cresceu 27%. São artigos aparentemente inofensivos que têm função também militar.
Emily Kilcrease, pesquisadora sênior e diretora do programa de energia, economia e segurança do think tank Centro para uma Nova Segurança Americana (CNAS, na sigla em inglês), é mais dura em sua análise e cobra maior efetividade das nações ocidentais na aplicação das sanções.
“Estamos no ponto agora em que os controles de exportação devem começar a ter impacto. Mas a Rússia está se adaptando”, disse ela à Newsweek. “Demos o grande golpe que podíamos. Agora é realmente sobre a aplicação.”
Irã e China
O uso de drones iranianos, amplamente denunciado e punido pelas nações ocidentais, é uma forma de a Rússia driblar as sanções que deixam suas tropas sem armas. Não é, porém, a mais notável. O Irã já sofre com punições econômicas, portanto não tem nada a perder ao negociar com Moscou. E é praticamente impossível bloquear as rotas comerciais entre os dois países pelo Mar Cáspio.
O que exige melhor estratégia do Kremlin é a importação dos itens de uso duplo. Segundo especialistas, para driblar as sanções, as remessas são vendidas e revendidas diversas vezes, muitas vezes em negócios feitos por empresas legítimas, cujo destinatário final está na China ou em outro país onde uma companhia de fachada pode repassar o produto à Rússia.
“As estruturas de propriedade corporativa são muito ocultas, especialmente em países como Rússia e China”, disse Erika Trujillo, diretora da SEIA, empresa com sede na Alemanha que assessora multinacionais em conformidade comercial, controles de exportação e sanções. “É particularmente difícil fazer due diligence na China. Você verá uma empresa aparecer, fazer uma ou duas transações e fechar no dia seguinte.”
Beijing é mesmo a principal parceira indireta de Moscou. Entre outubro e dezembro de 2022, a Rússia importou 87% de seus microchips de vendedores chineses, mas apenas 40% deles foram sido fabricados na China. A Turquia é outro país citado no relatório como fonte importante de componentes críticos para as forças russas, embora em escala consideravelmente menor.
Culpa norte-americana?
No caso das empresas norte-americanas que armam Moscou, analistas afirmam que não é possível culpá-las, vez que não se tem informação sobre qualquer negociação consciente com os russos. Tanto que a venda direta de componentes críticos para a Rússia por empresas estrangeiras despencou durante a guerra, de 45% em 2021 para apenas 2% entre março e dezembro de 2022.
Em resposta à Newsweek, um funcionário do Departamento de Comércio dos EUA disse que o país, em estreita colaboração com a União Europeia (UE) e outros aliados, tem trabalhado para reprimir a evasão e apontou para uma longa lista de ações do governo Biden desde que a Rússia invadiu a Ucrânia.
Nesse sentido, Daniel Fried, ex-embaixador dos Estados Unidos na Polônia e principal negociador de sanções à Rússia durante o governo Obama, diz que “os controles de exportação sempre funcionam de forma imperfeita”. E avalia que eles não precisam “funcionar perfeitamente para serem eficazes”.
Dessa forma, na visão dele, o sistema atual de sanções estabelecido pelo Ocidente deve ser considerado bem-sucedido. “Um regime de sanções imperfeito e com vazamentos impõe um custo à economia russa e aos militares em particular”, afirma.
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