Mais de 70% das escolas municipais não têm ações de combate ao racismo. Pesquisa ouviu quase 1.200 secretarias municipais de educação do paí...
Mais de 70% das escolas municipais não têm ações de combate ao racismo. Pesquisa ouviu quase 1.200 secretarias municipais de educação do país
O estudo “Lei 10.639/03: a atuação das Secretarias Municipais de Educação no ensino de história e cultura africana e afrobrasileira”, lançado no último dia 18, foi realizado nas redes municipais de educação e mostra que a maioria delas não respeita a lei sobre o ensino de história e cultura afro-brasileira.
O estudo é uma iniciativa do Geledés – Instituto da Mulher Negra e do Instituto Alana, em parceria com o Imaginable Futures que ouviu quase 1.200 secretarias municipais de educação do país, ou 20% do total delas. Em cada 10 secretarias, apenas 3 cumprem a lei que há 20 anos obriga escolas municipais a ensinarem história e cultura afro-brasileira, ou seja, apenas uma pequena parcela das escolas municipais no Brasil cumpre a Lei 10.639/03 que estabeleceu a inclusão obrigatória da história e cultura afro-brasileira no currículo oficial da rede de ensino.
Cinco delas fazem ações de forma eventual e em datas comemorativas, como o Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro. E duas, também a cada 10 secretarias, não realizam nenhum tipo de ação para cumprir a lei. O estudo mostra que os gestores municipais querem mais cooperação técnica e financeira dos estados e do governo federal para que a lei saia do papel.
Apesar da legislação ter sido implementada há 20 anos, ainda existem desafios para sua efetivação nas redes municipais de ensino. O estudo destaca que muitas escolas não possuem materiais didáticos adequados e professores capacitados para abordar a temática de forma adequada e inclusiva. Além disso, muitas vezes, a história e cultura afro-brasileira são abordadas de forma superficial ou estereotipada, o que não contribui para a valorização e o reconhecimento da cultura negra no país.
O estudo também destaca a importância do Movimento Negro na conquista do direito à inclusão da história e cultura afro-brasileira no currículo escolar. Esse movimento histórico tem lutado pelo acesso e permanência da população negra em todos os níveis e modalidades da educação, bem como pelo reconhecimento da contribuição epistêmica e cotidiana da população negra na construção e formação da estrutura social do país.
Diante desse cenário, o estudo aponta a necessidade de investimentos em formação de professores, produção de materiais didáticos e políticas públicas voltadas para a promoção da igualdade racial e valorização da cultura afro-brasileira. A implementação efetiva da Lei 10.639/03 é essencial para o combate ao racismo e a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva.
Para Beatriz Benedito, do Instituto Alana, é preciso que o ensino da história e da cultura afro-brasileira não dependa de ações isoladas de professores. O assunto precisa estar no planejamento das secretarias como política educacional.
A pesquisa mostra ainda que temas importantes para a desconstrução do racismo país, como o legado da escravidão e os privilégios, são deixados de lado em favor de temas mais confortáveis, como literatura e cultura alimentar. De acordo com Beatriz Benedito, esse é outro aspecto que precisa ser trabalhado.
O não cumprimento da lei tem um impacto grande na sociedade já que as escolas municipais são as principais responsáveis pela educação básica e atendem quase metade das crianças e adolescentes do país, segundo o Censo Escolar 2022.
São milhões de jovens sem acesso a uma educação contra o racismo, contra a discriminação e a violência.
De acordo com Natanael José da Silva, presidente União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação de Pernambuco, só se combate tudo isso se os jovens forem educados para a paz desde os primeiros anos de escola
De acordo com a lei, o conteúdo nas escolas deve abordar o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra e a participação do negro na formação da sociedade brasileira, nas áreas social, econômica e política.
Implementação da lei
A pesquisa qualitativa obteve a resposta de 21% de todos os municípios do país, ou seja, 1.187 Secretarias Municipais de Educação. Dessas, 53% admitiram que não realizam ações consistentes e contínuas para a aplicação da lei; e 18% delas não realizam nenhum tipo de ação.
Além disso, cerca de três a cada quatro secretarias afirmaram não ter equipe ou profissionais específicos responsáveis pelo ensino de História e cultura africana e afro-brasileira dentro das secretarias. E apenas 8% delas disseram ter dotação orçamentária específica para a implementação da legislação.
Formações sobre o tema
O documento também aponta que 57% das Secretarias Municipais de Educação e escolas da rede ouvidas oferecem formação sobre o tema aos profissionais de educação. A maioria é voltada para os professores (57%) e para a gestão escolar (50%).
Apesar disso, quase 70% dessas ações são pontuais e estão concentradas em novembro, mês em que se celebra o Dia da Consciência Negra.
Já em relação às famílias, a realização de oficinas de formação e eventos sobre questões étnico-raciais pelas escolas é pouco comum: 63% das secretarias afirmam que essas atividades não ocorrem em nenhuma ou só em algumas escolas.
Outro dado preocupante trazido é que só 35% das secretarias acompanham os indicadores de desempenho e as desigualdades educacionais considerando a raça dos estudantes.
Suporte de governos e instituições
A pesquisa também revela a centralidade do suporte dos estados e do Governo Federal para o cumprimento da lei. Os gestores municipais sentem falta desse apoio, tanto em ações diretas, como por meio de cooperação técnica e financeira para que as ações em relação ao tema sejam consideradas além de datas comemorativas.
Além disso, 44% das secretarias afirmaram que o Conselho Municipal de Educação é convidado para colaborar nas discussões sobre a lei, mas apenas em 25% dos casos o conselho contribuiu com a criação de algum parecer ou resolução acerca do tema.
A despeito disso, o estudo aponta que é fundamental que as Secretarias de Educação se mantenham responsáveis em zelar pela implementação da legislação, ainda que não sejam encontrados parceiros para isso.
Conclusões e desafios
Dentre as principais constatações da pesquisa está que a falta de apoio é o principal desafio para a implementação da referida lei. Essa ausência de suporte é sentida, principalmente, entre os municípios de pequeno porte. Já os municípios de médio e grande porte foram aqueles que mais realizaram alterações em sua estrutura administrativa e financeira para a implementação da lei.
A falta de conhecimento e de engajamento sobre o tema também foi citada como impedimento para a efetivação desse ensino. Mas, apesar dos dados, a maioria das secretarias avalia como satisfatório o conhecimento e apropriação de diferentes atores da rede em relação às temáticas da educação para as relações étnico-raciais.
Mesmo após 20 anos, o cenário de implementação da lei ainda é crítico, revelando uma alta resistência dos implementadores das políticas públicas. Segundo a publicação, o desafio dessa transformação está posto em abordagens básicas, considerando que, nas redes de ensino, se escolhe refletir a educação para relações étnico-raciais sem que se pretenda rever a construção e manutenção de privilégios.
“É preciso, portanto, encarar de frente os desafios aqui propostos e renovar o compromisso da construção de uma educação antirracista e comprometida com a garantia de direitos de todas as crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos”, conclui o documento. história e cultura afro-brasileira
Com informações de Oussama El Ghaouri - Repórter da Rádio Nacional - Brasília e Nós, Mulheres da Periferia. Foto: Joel Rodrigues/ Agência Brasília
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